O homem permaneceu
sentado ao lado da sua estante cheia de livros, esperando alguma inspiração
para proceder com sua vida, quando, subitamente, Tomi, o menino de tramas
loucas, aparecera para dialogar:
- O senhor tem fome?
- Estou acostumado
com a sensação. – respondeu o homem, indiferente.
- Sua fome é maior que sua vontade de matá-la?
- Minha fome é um signo; um fenômeno. Sinto meu interior
remoer e transformar-se como o besouro de Kafka, ou a repulsa de GH, bendita
Clarice. Meus ouvidos tapam e posso ouvir minha voz vibrando por cada vértice
de meus tímpanos; é como se eu estivesse preso em mim.
- Por que o senhor
não espanta a fome? – Aqui, o garoto estava impaciente, aflito pela pobre alma.
- É difícil quando se
tem uma coisa e ao mesmo tempo surge o incômodo de saciar algo que você não
pode deter. Uma constante que penetra sua vida todos os dias; por escolhas
erradas, frustrações e perspectivas mal elaboradas. Aqui, a minha alma
permanece esfomeada e acaba refletindo em meu corpo, o estágio final, o fado de
minha estrada. Não lamento, pois daqui a inspiração renasce; fênix simplória,
como os deuses do Olimpo – a fúria de Delfos.
Enaltecido e
intrigado, Tomi achara seu entrevistado um tanto desvairado e de uma
sensibilidade sobre-humana, então lhe perguntou:
- Nos períodos de
fome, como consegue coerência para formular suas ideias?
- Enquanto sinto meu estômago mexer, consigo travar inúmeros
pensamentos. Poesias, versos, reflexões sobre a vida, sentimentos e até tenho
tempo para escrever um livro mental; menos com lógica. Ah, não tenho jeito para
as exatas, embora aspire admiração à Física, em especial a Quântica, Geometria
e suas raízes. Einstein dizia que um pensador consegue lidar com o caos; acho
uma inverdade. Com o tempo, menino, as coisas ficam bagunçadas e a mente não
exerce linhas de organização, ainda bem que existem Buda, o Nirvana,
Krishnamurti e seus amigos adeptos ao Samyama para consertarem meu interior.
Ainda bem!
Perplexo ao ouvir
seus experimentos e sensações, Tomi jogou uma proposta curta:
- Pelo visto, o
senhor tem fome no momento. Tenho algumas coisas para lhe oferecer, podemos dividi-las.
Com um sorriso
inocente, o homem respondeu:
- Claro, por favor.
Caso eu demore mais para comer, chegarei ao estágio do sofrimento e estou
evitando esta linha.
- Sofrimento? –
indagado, Tomi perguntou.
- Sim – o homem lamentou – mas vamos encurtar a história,
deixe este capítulo para outra vez.
Quando jantaram, Tomi
notou que seu companheiro estava com um ar diferente, exótico e otimista, então
suscitou:
- O senhor está diferente
agora. O que houve?
- Minha alma encheu.
- Através de algo tangível, o alimento?
- Pois é. Que estranho as coisas são!
- Entendo. Se sua alma encheu, seu coração..?
- O que tem? – interrompeu – não seja bobo. Meu coração está
aqui, independente da situação.
- Nunca vi ninguém atrelar a fome com tamanha sensação.
- A fome tem muitos significados, talvez até seja um pouco
inútil enfrentá-la num conceito filosófico, mas geralmente precisamos de algo
para nos impulsionar à frente de nossa existência.
- Quando a fome vem, o que você sente primeiro?
- Um peso enorme – olhando distante para o menino, o homem,
mais uma vez, suspirou – O peso do mundo.