terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Um trecho de "Cosmos" por Carl Sagan

"Discutindo a estrutura em grande escala do Cosmos, os astrônomos descobriram-se dizendo que o espaço é curvou, ou que não há um centro no Cosmos, ou que o universo é finito mas sem fronteiras. De que estariam eles falando? Imaginemos que habitamos um país estranho onde todos são perfeitamente planos. Segundo Edwin Abbott, um estudioso de Shakespeare que viveu na Inglaterra vitoriana, nós a chamamos de Terra dos Planos. Alguns de nós são quadrados, outros, triângulos, alguns possuem formas mais complexas. Corremos precipitadamente para dentro e para fora de nossas construções planas. Todos na Terra dos Planos têm largura e comprimento, mas não altura. Sabemos sobre esquerda e direita, para frente e para trás, mas nenhuma idéia, ou remota compreensão, sobre em cima e embaixo, exceto os matemáticos planos. Eles dizem: “Escutem, é muito fácil. Imaginem a esquerda e a direita. Imaginem à frente e atrás. Tudo bem até aqui? Agora imaginem outra dimensão, em ângulos retos com as outras duas”. E nós respondemos:”Do que vocês estão falando? Ângulos retos com as outras duas? Existem somente duas dimensões. Apontem esta terceira dimensão. Onde está ela?” Então os matemáticos, desanimados, desistem. Ninguém escuta os matemáticos.

Toda criatura quadrada na Terra dos Planos vê outro quadrado meramente como um penqueno segmento de reta, o lado do quadrado mais próximo dela. Ela pode ver o outro lado do quadrado somente se caminhar um pouco. Mas o interior do quadrado é sempre misterioso, a menos que algum acidente terrível ou atópsia rompa os lados e exponha as partes internas.

Um dia, uma criatura tridimensional, com a forma de uma maçã, por exemplo, chegou à Terra dos Planos e andou a esmo por lá. Observando um quadrado particularmente atraente e bem proporcionado, entrando em sua casa plana, a maçã decide, em um gesto de amizade interdimensional, dizer “olá”. “Como vai você?” pergunta o visitante da terceira dimensão. “Eu sou um visitante da terceira dimensão”. O infeliz quadrado olha à volta de sua casa e não vê ninguém. Ainda pior, para ele, parece que o cumprimento, vindo de cima, está emanando do seu próprio corpo plano, uma voz do interior. Uma pequena insanidade, talvez ele pense corajosamente, e corre para sua família.

Exasperada por estar sendo julgada uma aberração psicológica, a maçã desce à Terra dos Planos, somente em parte; pode ser visto somente um corte, somente os pontos de contato com a superfície plana da Terra dos Planos. Uma maçã escorregando na Terra dos Planos apareceria primeiro como um ponto e então progressivamente maior, quase que em fatias circulares. O quadrado vê um ponto parecendo em um quarto fechado em seu mundo bidimensional e lentamente crescer transformando-se quase em um círculo. Uma criatura de forma estranha e mutável surgiu de algum lugar.

Rejeitada, infeliz com a obtusidade dos muitos plano, a maçã bate com força no quadrado e o levanta, vibrando e girando nesta misteriosa terceira dimensão. A princípio o quadrado não consegue entender o que está acontecendo: está totalmente fora da sua experiência. Eventualmente ele se conscientiza que está vendo a Terra dos Planos de um local vantajoso peculiar: “acima”. Pode ver dentro de quartos fechados e dentro de seus companheiros planos. Está vendo seu universo de uma única e devastador perspectiva. Viajar através de uma outra dimensão proporciona, como um benefício incidental, um tipo de visão de raios X. Eventualmente, como uma folha que cai, nosso quadrado lentamente desce para a superfície. Do ponto de vista dos seus companheiros da Terra do s Planos, ele desapareceu de modo inexplicável de um quarto fechado, e então materializou-se, aflito, em algum outro lugar. “Pelo amor de Deus”, dizem eles, “o que aconteceu com você?” “Penso”, descobriu-se dizendo, “que estava acima”. Eles dão pancadinhas em seus lados e o confortam. As desilusões sempre aconteceram na família. (…)

Poderá haver uma quarta dimensão física?”