Britolfo. Era assim que o viam e era assim que nascera – estranho, deslocado e cansado. Tão cansado que nascera com uma peculiaridade de não chorar quando veio ao admirável mundo novo. Pensavam os tolos que a desencaixada criança estava morta, engano. Era viva, tão intensa na sua forma que observava cada gesto e tomava cada aprendizado como incentivo para brilhar em tanto conhecimento.
Já crescida, comia livros. Estudava de literatura até filosofia. De arte até psicologia e suas ênfases antropológicas e etimológicas. Era inteligente, conseguia passar coisas absorvidas em longas noites mal dormidas até quando permanecia quieto.
No meio social, era tonto; fingia-se. Procurava ocultar seu conhecimento para não entediar as outras pessoas, então se tornava a massa tediosa, voltando a sentir-se como no nascimento; cansado. Brito achava que se estudasse grandes obras de revolucionários e pensadores poderia entender o porquê do cansaço sobre a humanidade. Viu que era tudo igual, previsível. Por mais mistério ou abertura que um grupo ou indivíduo tivesse, seria tudo igual – com o mesmo fim.
Como se trata de uma breve e cômica história, Brito neste parágrafo já estava grande. Já morava sozinho, trabalhava e vivera grandes amores, grandes viagens. Claro, com o dobro de conhecimento e, agora, sabedoria. Neste espaço entre a vida e a morte, Britolfo resolveu sair para dançar em um dia exclusivamente agitado, ou pelo menos ele o julgava assim. Colocou uma roupa básica, mas elegante. Sempre com seu jeito estranho e sério – seus óculos estavam tortos e sua carteira era furada.
Nada iria abater aquele sentimento de liberdade engendrada sobre outras gaiolas em paradigmas impostos pelo ambiente proposto. Brito sentia-se alegre, procurou um local para beber e posteriormente dançar, pois já sabe que muito não vai encontrar nestas redondezas, além de luzes e maquetes. Seu conhecimento e bagagem sofisticada de nada mais valiam naquela noite.
Brito era sozinho, de poucos amigos. Mas os poucos que tinha chamavam-os de irmão, por isso nesse dia foi com seu melhor amigo. Davam-se muito bem, pois riam das obviedades dessas ocasiões, riam daquela casualidade, mas também lamentavam por tanta mesmice.
Entraram para dançar. A selva estava cheia, repleta de pessoas que também se desligaram do mundo. Desligaram suas preocupações, seus encantos e argumentos. Brito e seu amigo sabiam disso. Por isso dançavam em volta de marionetes. Marionetes vagas que podem ser vistas no trabalho, no teatro ou no cinema.
Dançavam e abraçavam-se, conversavam na pista fora de hora. Saíam para olharem-se e agradeciam um ao outro pela companhia. Mas cansavam-se. As marionetes tornavam-se fumaça quando as luzes pararam de piscar. Todos iam embora e, por sua vez, Brito sentia-se cansado. Lembrou que não importa o lugar, no final sempre se sentia cansado. Cansado de estar entre marionetes, talvez cansado daquela luz, da bebida. Dos teatros e cinema, embora adorasse. Lembrou também que se sentia entediado e cansado sobre quase tudo, menos escrever. Relembrou de todos os cansaços que já sentia, de todas as promessas que ouvira e sabia que seriam só palavras de atos previsíveis, surpreender-se-ia senão fossem falsos.
O que há de errado em cansar-se com o final, se teremos um novo começo, Britolfo?
Então olhou para seu amigo e sorriu. Colocou a mão sob seu ombro e foram para casa, sabendo que a cada passo seria uma volta e meia pelas marionetes.